A mulher no mundo do homem

Mais cedo ou mais tarde, no correr da vida, a mulher acaba identificando os fios de uma trama que não foi ela quem teceu aprendendo a desenovelar condições de sobrevivência num mundo em que os fusos são movidos por mãos masculinas. Nesse mundo, cada malha revela a natureza de quem a tece e, no vai e vem do tear, cada fiandeira, por sua vez, exibe o formato da própria personalidade oscilando entre caprichosa ou submissa; reta, afirmativa ou dissimulada; rebelde ou medrosa; combativa, atraída pelo confronto como o macho ou maleável e integrada à ordem dominante. As possibilidades são incontáveis e o comportamento da mulher no mundo do homem obedece a um sem-número de nuances, cabendo a qualquer um, com olhos para ver, enxergar que, na fêmea da espécie, o amadurecimento para o mundo exterior é mais vagaroso, implicando um período suplementar – uma espécie de estágio – perfeitamente dispensável para o homem porque tudo à volta está disposto à feição e seme­lhança dele, de acordo com necessidades e conveniências postas por ele.

Para a mulher esse deslocamento em direção ao ubíquo sistema masculino – que define, dispõe, normatiza, qualifica – exige, por sua vez, os riscos de um salto no desconhecido: a extensão do impulso e a habilidade de cair em pé na volta ao solo, sem se ferir, é que vão revelar as aptidões para a sobrevivência de cada uma. Porque há as que saltam ficando quietas; as que, comportando-se como homens, mantêm firme o bastão de mando; as que cedem para chegar ao objetivo; as incautas que se lançam desfiladeiro abaixo esti­lhaçando corpo e identidade no empenho de atender, de forma absoluta, ao intrincado desejo masculino tal Marylins patéticas, atadas a uma dinâmica assimétrica onde qualquer entendimento mais rico entre os sexos, nesses termos, é inviável. Há ainda as espertas, educadas para tirar proveito e as que trocam submissão por intransigência, tendendo a se emaranhar nos fios do próprio isolamento.

No começo dos tempos as coisas parecem ter se feito à sombra do matriarcado. Mas a partir de certo ponto o macho teria tomado o pião na unha com os bons e os maus resultados que se conhece. Dessa ordenação da cultura – transformada em tese ou no axioma a partir do qual a vontade masculina paira impávida – a mulher começou a emergir como antítese há muito pouco tempo, buscando tecer outra sorte de relações na tentativa de encontrar uma síntese diferente, fiada com pontos mais complexos e linhas de melhores cores. Movimentos repetidos, pé tocando o tear, mãos indo e vindo, fios trançados obstinadamente no empenho de superar a insegurança enraizada em séculos de sujeição, a mulher tem questionado a trama das verdades indiscutíveis que a dominação masculina estendeu sobre a história. Vem tentando uma disposição diferente na qual tudo, a começar pela própria lei, possa acolher as necessidades de um espaço compartilhado onde estejam previstos direitos iguais para os dois sexos, assim como abrigada a enorme extensão de suas diferenças. Vem tentando um bordado que preencha, com capricho, o desenho da complementaridade no qual não prevaleça nem o medo do outro sexo nem a obstinação de negá-lo. Onde, ao contrário, os fios estejam dispostos de maneira a que homens e mulheres possam se encontrar, respeitando-se e tecendo, juntos, a melhor urdidura para a convivência, construindo, a partir daí, uma sociedade que use linhas mais resistentes para alinhavar seu complexo tecido.

Leia também

O site da Ouro Sobre Azul utiliza cookies e tecnologias semelhantes para ajudar a oferecer uma experiência de uso mais rica e interessante.