Com as bonecas

Depois da igreja e acabada a festa, o casal foi para o quarto começar a vida a dois: ele, 26 anos, ela, 14. A história se passou no começo do século XIX, num Brasil que mal deixava a condição de colônia. E lá, trancando a porta, o rapaz percebeu, no ato, que a menina não tinha ideia do que deveria se passar. Com jeito, conversa para cá, risos para lá, chegou na pergunta necessária:

– Sua mãe não explicou a você como é a vida de casada?

– Explicou… Ela disse que, até casar, a mulher obedece ao pai e à mãe. Depois, precisa obedecer ao marido…

– Sei… Só isso?…

– Foi…

– … 

– Bonito esse quarto… E a cama também, toda enfeitada… O senhor não acha?

– Acho…

– Assim mesmo eu preferia ir dormir com as escravas… 

– Com as escravas?!…

– É…

– Mas, por quê?

– As minhas bonecas estão todas com elas… 

– Sei… E você sente falta das bonecas?…

– Muita… 

O rapaz mergulhou por segundos o olho no chão, pensativo. Depois, fixando com afeto a menina, foi capaz do gesto, raro num homem naquele tempo e em qualquer outro.

– O senhor se importa? 

– Não me importo não… Vá se isso a deixa feliz…

E a menina correu, contente da vida, para junto das bonecas.

Assim, dia após dia, noite após noite, o marido foi vindo com delicadeza, ganhando a confiança da menina, até conseguir consumar o casamento depois de bom tempo. Tiveram muitos filhos e o rapaz morreu moço, deixando a mulher inconsolável e viúva, para sempre, aos 23 anos.

Tempos depois um dos netos, revirando fotografias na gaveta, deu com a imagem dos avós jovens, bonitos: ela, principalmente.

– Mas vovó, porque você não casou de novo? Você era linda! Não apareceu ninguém para pedir a sua mão de viú­va ­moça e rica?

– Apareceram… Muitos… Mas quem casa com um homem como seu avô não consegue nunca mais achar graça em nenhum outro… 

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