No caminho dos elefantes

No caminho dos elefantes, filme dirigido por William Dieterle, volta e meia exibido na televisão, é, em tudo, desses produtos típicos do cinema comercial norte-americano dos anos 1950: tema, trama, cenário, empostação, enquadramentos, luz, elenco – Elizabeth Taylor, Peter Finch e Dana Andrews.

No enredo, inglesa casa-se com plantador de chá dono de propriedades no Ceilão – atual Sri Lanka – e, ao acompanhar o marido descobre, aos poucos, questões até ali ocultas nele, em si mesma e no país estranho. Todas, acomodadas no interior dos estúdios da Paramount com a competência habitual que Hollywood sabe dar às ambientações dramáticas, já que a grande quantidade de interiores e exteriores construídos não chega a interferir negativamente na verossimilhança na qual o cinema americano sempre foi mestre. Da mesma forma, o figurino, um pouco desviado do real, não impede a identificação do espectador com os personagens e com a história na qual o marido vai revelando, aos poucos, uma personalidade grosseira, irascível e infantil. O mundo para o qual leva a mulher é um mundo fechado, sem lugar para ela, onde tudo está disposto segundo normas nas quais pontifica a figura de um morto – o pai – e onde ele próprio oscila entre a ternura e o arsenal típico das brutalidades conjugais masculinas.

Nesse palco o roteiro esboça duas saídas: ou a heroína abandona a cena indo embora com o galã coadjuvante, apaixonado por ela – linda e honesta –, ou fica, superando o perigo que emerge na forma de um sistema de obstáculos insuspeitados. Nos entreatos da dúvida a ação oferece banquetes servidos por nativos vestidos a caráter – com a liberdade habitual do cinema americano em tratar a vestimenta que não se encaixa na tradição do ocidente –; espetáculos de dança cingalesa; epidemias devastadoras e um final que reproduz, de forma ingênua, a irrupção do inconsciente reprimido, contra o pano de fundo da paisagem exótica.

O núcleo da trama revela que, dado o gosto pelo desafio, o pai onipresente havia construído um palacete de gosto duvidoso – onde passam a morar filho e nora – na trilha pela qual os elefantes iam em busca de água. A propriedade era enorme e oferecia várias possibilidades, mas nenhuma que trouxesse risco. E o pai, sujeito oculto da história, tinha por hábito cultivar situações desafiadoras, conforme o filho tenta explicar à mulher na apresentação do novo cotidiano. Anos a fio, um grupo atento de empregados tivera por função espantar a manada quando ela se aproximava, tentando reaver o caminho perdido. O estratagema funciona bem até que um surto de cólera chega para dizimar a plantação, matando a torto e a direito, deixando à merce do Criador mansão, trilha, marido e mulher, desentendidos um do outro, no momento do clímax narrativo.

Então, em nova tentativa e desta vez sem nada nem ninguém para lhes barrar a marcha, os elefantes reaparecem enormes e obstinados retomando o curso e pondo abaixo a casa. O efeito dramático do embate entre a manada escura e o palacete amplo, claro, embora fácil, é bastante violento, reafirmando mais alguns traços da maneira americana de fazer cinema entre os anos 1940 e 1950, quando a uma certa ingenuidade narrativa se acrescentavam fartos recursos técnicos, financeiros e o compromisso inarredável com o propósito de conferir ao produto o melhor desempenho comercial possível. Meticulosamente os elefantes vão derrubando tudo o que a inadvertência autoritária de um mundo articulado de fora para dentro havia posto no caminho deles. E o cenário caríssimo da mansão, com mármores, adornos, pilastras, terraços e escadarias rui fragorosamente sob patas, trombas, cabeças e torsos monumentais, numa sequência longa em que, no auge da destruição, o marido chega para resgatar a mulher, livrando-a do massacre e de um incêndio que começa a se alastrar. Então o casal emerge com dificuldade dos escombros e, salvos também um para o outro – o panorama vegetal do Ceilão ao fundo, vento zunindo por entre o panejamento das roupas e alvoroçando os cabelos de ambos –, fazem planos de reconstruir a vida e erguer a casa a alguns metros dali, revigorados pela revelação do inconsciente que, ao contrário do pai morto, se dispõem a incorporar aprendendo a viver juntos e deixando a trilha livre para os elefantes.

Um dos aspectos característicos do cinema comercial americano, desde sempre, foi saber conferir nervos ao chavão ou, indo em direção oposta, transformar em chavão qualquer conquista alcançada pela inteligência humana. Num e noutro caso o resultado é o mesmo: em Hollywood, entrando pelo gargalo da máquina de fazer dinheiro o produto sai no outro extremo com pouca densidade, perfeitamente ajustado ao gosto do espectador “médio”, como ocorre em No caminho dos elefantes.

Construído a partir de noções que, na altura dos anos 1950, a psicanálise já havia difundido largamente e tendo como clave o lugar-comum é, contudo, impressionante a eficiência dramática alcançada pelo filme na metáfora do descontrole. Poucos animais serão mais ameaçadores do que um elefante no confronto com a fragilidade física, comparada a eles, de homens e mulheres, dados o porte, o peso e a obstinação; poucas soluções cênicas mais eficientes do que o ataque de uma manada para exprimir os aspectos sombrios da emoção sem governo. E por fácil que seja o recurso, a imagem resultante ficará ecoando por bom tempo na memória do espectador de No caminho dos elefantes trazendo a advertência de que o inconsciente não foi descoberto por Sigmund Freud com tantos, tão longos e tamanhos sacrifícios pessoais para ser desconsiderado, nem ter seu potencial posto em questão pela onipotência dos tiranetes que se multiplicam incessantemente mundo afora.

Leia também

O site da Ouro Sobre Azul utiliza cookies e tecnologias semelhantes para ajudar a oferecer uma experiência de uso mais rica e interessante.