Os jogos do Rio

Diante da estupenda cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, como não admirar a imaginação dos brasileiros, nos moldes que lhes são próprios? Não sentir uma surpresa cheia de esperança frente a mais essa demonstração de vitalidade? Construída e aprimorada a partir da Colônia, até se apoderar dos recursos tecnológicos do mundo virtual – que regem boa parte das manifestações artísticas hoje em dia –, recursos absorvidos e tão bem manejados por nossos criadores em várias áreas, como visto na festa? Como não prestar atenção ao descompasso entre a potência da expressão artística brasileira, se comparada à esqualidez das iniciativas – ou falta delas – habituais em todos os campos da nossa política, de qualquer colorido ou tendência? Como não desistir dos timoneiros de almas que, dos dirigentes romanos aos heróis da Revolução Francesa – não esquecendo alguns produtos genuinamente brasileiros –, chegando aos altos cargos se perdem na onipotência, no hedonismo e na corrupção?

Pois tem sido assim que, exibindo uma fratura de proporções respeitáveis entre sociedade civil e poderes constituídos, nosso país vai se movendo aos trancos e recua, no plano político e econômico, quase na mesma proporção em que avança, esquecendo sistematicamente, no piso inferior, medidas que atenderiam a necessidades urgentes nos campos da educação, da saúde, da moradia, do transporte e do respeito ao meio ambiente de todos nós.

Num quadro no qual o exercício da política, como ocorre no Brasil, não tem compromisso com o coletivo mas com o apetite dos que exercem o mando para atender, basicamente, a interesses pessoais, o jogo partidário mal passa de triste dominó em que as peças são colocadas em função de identidade de propósitos de cunho meramente privado. Enquanto isso, a nação sofre com a ausência do poder público em todas as áreas em que seria essencial a sua presença ativa.

E é curioso que diante da necessidade de identificar o país, para si mesmo e para o mundo, por meio de um evento da proporção dos Jogos Olímpicos, sejam a arte e os artistas, aqui sempre tão desprestigiados, que consigam atenuar um pouco a imagem desastrosa que o Brasil vem mostrando, desde os dois últimos períodos presidenciais, o segundo, interrompido no meio do caminho.

Porque o que se viu no Maracanã, nesse 5 de agosto de 2016, foi alguma coisa digna de reflexão. Contando, aparentemente, com recursos menores do que os gastos por cerimônias equivalentes em outros países e anos passados, os criadores do espetáculo chegaram a uma bela síntese, expressiva da identidade brasileira, onde arte popular e erudita; som e imagem; negros, índios e brancos; a representação das moradias em concreto, da vegetação, da terra e do mar; a citação de obras de alguns brasileiros notáveis, se misturaram num espetáculo de grande impacto visual, justeza técnica e temática, esboçando para o mundo e para nós mesmos um traçado que se aproxima muito daquele desenho claro, nítido, cheio de invenções, nuances e possibilidades, ao qual estamos tentando chegar, apesar de tudo, há mais de 500 anos.

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