Palavra dada

Pio Lourenço Corrêa, fazendeiro paulista nascido em 1875, era um homem sui generis, capaz de gestos de que não se tem notícia em ninguém a não ser nele mesmo.

Um dia chegou arrasado de uma vistoria rotineira ao São Francisco, fazenda que, havia anos, comprara em Araraquara:

– Uma tristeza! O café está todo brocado! Tivesse eu uma oferta, fosse qual fosse, vendia o São Francisco!

– Eu compro! – disse, no ato, sem pestanejar, o Brandão, amigo fraterno, sobre quem o desabafo fora despejado.

– Está feito!

Acontece que uns dois dias depois, voltando à fazenda, Pio Lourenço constata que não havia broca nenhuma: os cafezais estavam viçosos e perfeitamente saudáveis. Então entrou em desespero mas, palavra dada, como recuar? 

Procurou – ainda para um desabafo mas, agora, por razões diferentes – um casal próximo, parentes a quem era muito ligado e relatou o caso, terminando:

– Vendo o São Francisco e meto um tiro na cabeça! – e metia mesmo, sendo quem era.

A senhora, sagaz e opinativa, pôs a mão na cabeça e entrou de rijo no caso:

– Mas seu Pio, por tudo o que é mais sagrado, não leve isso adiante! Converse com o Brandão, desfaça o negócio! 

– Dei minha palavra!

– Pois compre ela de volta!

O Brandão era português, alto, vistoso, um farmacêutico que havia surgido em Araraquara numa determinada altura e, como acontecia com frequência com os moços vindos de fora, trouxera com ele hábitos mais civilizados, atraindo uma herdeira local, sobrinha de Pio Lourenço. Casou com ela e, junto, vieram as terras e o dinheiro que o Brandão nunca tivera mas passou a ter e a administrar. 

Seguindo o conselho da amiga e parenta próxima, Pio Lourenço procurou então o tal sujeito para desfazer o negócio, pedindo que pusesse preço na palavra empenhada. E o Brandão pôs: exorbitante. Não contente, acrescentou um belo cavalo árabe, do qual Pio gostava muito, e mais um carro esporte para o filho mais velho.

O fazendeiro bateu tudo no ato, reintegrou o São Francisco ao conjunto dos bens, afastou-se para sempre do Brandão e deu um Hupmobile aberto de presente para a parenta, como prova de reconhecimento pela interferência dela, barrando, a tempo, o andamento de uma transação sem pé nem cabeça. Dessas que, de hábito, ocorrem apenas a excêntricos em último grau, caso de Pio Lourenço Corrêa.

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