Rubem

Para quem o conheceu na beira dos sessenta fica a imagem do homem de rosto e corpo largos, estatura mediana, cabelos fartos, bigodes bastos: um ursão grisalho. Olhar quase sempre mirando de baixo para cima, arisco como o dos matutos. Na progressão da conversa passava a espantado, diferentes das fotografias, em moço. Aí era magro, mais moreno ou queimado de sol, talvez, olhos tendendo a inquisidores. Devem ter ido se espantando com o correr da vida.

A fala – travada, pouco audível, entre fanha e ciciosa – não era sua melhor forma de contato: Rubem parecia estar sempre pedindo desculpas por não poder se passar do aparelho fonador. O som lhe escapava aos solavancos, pedaços de frases que se ligavam uns aos outros pela atenção de quem ouvia, não por mérito seu. Franco, muito franco, frequentemente ranzinza, dava a impressão de estar mais a vontade na escrita que na lida com a inelutável sucessão dos dias. E era de forma brusca que sabia ser gentil, quase empurrando para cima do objeto de seus afetos um presente ou um agrado escondidos dos quais, num dado momento, precisava como que imperiosamente se livrar.

Por bom tempo gostou da convivência em bares onde a conversa solta, o cigarro e a zonzeira da bebida ajudam a atiçar a curiosidade sobre o comportamento alheio. Mas isso ele não punha nas crônicas, limitava à vida. Razão pela qual seu texto continua soberbo oferecendo uma textura transparente como só as manhãs de maio no leste do Brasil. Nele reinam as lembranças de Cachoeiro – Cachoeiro­ do Itapemirim – onde ficaram avós e tios em suas fazendas; pais e irmãos no casarão protegido pelo cajueiro monumental; vizinhos de maus e bons bofes; a escola; os primeiros escritos e os alumbramentos fundamentais.

Cachoeiro. Diagrama que dá nexo sustentando, até o fim, a visão fresca do cronista. Vem provavelmente de lá o cuidado em frear o comentário mais direto sobre esse ou aquele personagem, dos inúmeros que povoaram as impressões cotidianas com as quais, por volta de seis décadas, registrou as ansiedades de um país sempre crisálida. Deve vir também de Cachoeiro – e da ética estrita da classe média provinciana – a discrição com que dosava as reações sem atingir ninguém, a não ser a si mesmo, com o travo ácido de uma lucidez cortante. No texto de Rubem a observação se inclina para o abstrato. O compromisso não parece repousar no enredo, mas no esforço de compreender a dinâmica na qual se debatem homens e mulheres na massa física de que é feito o mundo.

Mar. Infância. Namoradas. Temas recorrentes repetidos à exaustão. Quase pretextos para justificar o exer­cício de uma escrita impecável onde, com domínio da forma e profundo senso da língua Rubem Braga induz, quem o lê, a achar que escrever é fácil.

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