Sul de Minas

A moça ainda não estava afeita aos costumes da região. Nascida e educada no Rio, chegara à Santa Rita de Cássia com o marido, médico em começo de carreira, correndo o ano de 1919. Ali o marido nascera e a família dele se espraiava ocupando, a bem dizer, todas as camadas sociais – das mais modestas às mais elevadas – como normalmente acontecia nos pequenos núcleos urbanos cercados por proprietários rurais e onde as coisas se dispunham todas para assisti-los: o comércio, a igreja, os práticos da saúde, das leis, da construção civil, o pequeno corpo de funcionários públicos e assim por diante.

Nesse ambiente, com menos de um ano na cidadinha e antes que tivesse aprendido a medir o gesto e a palavra, a moça passou por bons apertos até conseguir ajustar a conduta sem abrir mão dos valores mas, também, sem ferir os costumes da sociedade provinciana. Assim certa noite, ainda no começo dessa adequação, saiu para visitar o sogro, na casa pegada à sua, e deu com um encontro dos chefes políticos da cidade tomando por completo a sala de visitas. Sem nenhum constrangimento sentou-se entre eles e foi acompanhando a conversa, iniciativa que, por si só, gerou grande espanto em homens como aqueles, habituados a pôr e dispor sem considerar nunca a presença das mulheres, a não ser para a procriação e para dar ponto em doce, colher de pau em punho revirando o tacho de cobre.

Numa dada altura um deles soltou bastante inquieto:

– Nós temos que ganhar a eleição no Aterrado de qualquer jeito!

Nossa Senhora das Dores do Aterrado, na fronteira de São Paulo, era um dos quatro distritos do município de Santa Rita de Cássia junto com Divino Espírito Santo da Forquilha, Santa Bárbara do Garimpo das Canoas e Nossa Senhora das Dores da Ponte Alta. 

Incomodada, beirando a indignação, ao ouvir as afirmações peremptórias acerca do Aterrado, a moça reagiu sentindo-se, com certeza, protegida pela presença do sogro – figura central em Santa Rita de Cássia – e fiel às próprias convicções democráticas, trazidas da capital da República, naquele momento, e em todo o país, a cidade mais arejada politicamente.

– Mas coronel, a eleição será ganha ou perdida de acordo com a vontade dos eleitores!

– Tem que ser ganha de qualquer jeito! Insistiu o velho incisivo, olhando firme no olho dela.

– Mas… Isso, assim, é crime!…

– Menina, você é muito moça e ainda é nova aqui! Aprenda de uma vez por todas: em eleição o único crime é perder!

E mais não disse voltando às confabulações, enquanto à moça, escandalizada, só restou gravar o acontecido na memória passando depois aos filhos que, por sua vez passaram aos filhos deles, que também o retiveram intacto, de modo que a lembrança desse descalabro pôde ser revivida apontando, infelizmente, para um conjunto habitual de traços, vivos até hoje na prática política brasileira.

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