Um ex-Senador da República

Olhar quebrado, mais magro, terno e colarinho dançando longe do corpo, o pobre político enfrentava, numa espécie de arena que o punha abaixo de todos em volta, o grupo de jornalistas alçados a guardiães da ética que, no programa de televisão, faziam perguntas prolixas, mais parecendo discursos. E formulavam a própria curiosidade de maneira incisiva – quase grosseira – usando um vocabulário e uma construção de frases que serviriam melhor à bisbilhotice acerca da vida alheia do que a mais um desses episódios inverossímeis da dramática cena recente, tendo como pano de fundo a política brasileira. Sôfregos pelos detalhes, se não sovavam mais forte não era certamente por generosidade, mas medo de exaurir o lutador, apagando-o num nocaute prematuro.

Abatido, expressão antes doce, o senador cassado – em prisão domiciliar –, fazia e refazia a mea culpa sem conseguir aplacar, em nada, as disposições sangrentas dos que o entrevistavam. Que tinham diante de si alguém derrubado pelos próprios atos, provavelmente pagando caro pela inadvertência – desonestidade, ânsia de poder – e pela adesão a um bloco político corrupto e corruptor.

Na frente da tela, vendo a imagem triste do entrevistado tentando cerzir a biografia esfrangalhada, solícito com os jornalistas ao virar seguidamente os 360 graus da cadeira giratória para atender ao que, na verdade, não passava de curiosidade malsã; na frente da tela, assistindo à transmissão, talvez ocorresse a algum espectador, por puro exercício mental, conviver com a hipótese de estar ele próprio ali, diante das câmeras, no lugar daquele homem, usando a tornozeleira eletrônica da qual o ex-senador escapara por pouco, sucumbido pelo mesmo desastre imposto à familia, à carreira e ao futuro imediato, bastando, para isso, que também tivesse ultrapassado a fronteira. A mesma separando a zona onde costumam se abrigar o bom senso e a retidão moral – entre tantos outros traços –, para, empurrado pela fraqueza, cair no terreno turvo dos atos ilícitos a partir dos quais dificilmente há retorno possível. Nos actes nous suivent, como dizia Paul Bourget, intelectual e escritor francês nascido no século XIX, hoje esquecido. Nossos atos nos seguem, de fato, implacável e inapelavelmente, para sempre. Como cada um de nós vai percebendo, no seu tempo e na sua hora, passo a passo, ao tentar vencer o acidentadíssimo caminho da existência.

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