O nome de um dos encontros entre escritores, na Flip de 2015 – Amar, verbo transitivo –, lançava uma espécie de desafio ao contradizer o título do romance de Mário de Andrade, do qual se originou – Amar, verbo intransitivo–, publicado em 1927. Porque, como sabemos, intransitivo é o verbo que não se conjuga, que se basta a si próprio, cujo predicado está nele mesmo sugerindo uma espécie de condição impessoal e indiscutível no relacionamento com as palavras que estão a volta dele, na frase. Por que sorte de razões Mário o teria escolhido foge à compreensão imediata, pois nada mais pessoal e discutível do que o sentimento amoroso. E quanto ao verbo, propriamente dito, ele é de tal maneira plástico que talvez se devesse fixar, para todo o sempre, a seguinte forma de conjugá-lo:
Eu amo do meu jeito
Tu amas do teu
Ele ama do jeito dele
Nós amamos do nosso
Vós amais do vosso
Eles amam do jeito deles
Cada um de nós tem a sua maneira de amar que é única e intransferível, fruto da cultura em que fomos criados – no âmbito restrito e no âmbito público – e das experiências acrescentadas a ela, ao longo da existência. Daí a dificuldade do entendimento amoroso e os desencontros quase atávicos provocados por ele: variando a trama em que está tecida uma dada cultura, varia também o conceito de amor definido por ela que se torna, assim, infinitamente vário. E talvez seja justamente por conta desta fluidez que tanta barbaridade costuma ser cometida em nome do amor. Porque nos terrenos em que ele impera, cada um de nós terá sempre a sua razão que não dependerá das normas definidas pela sociedade nos campos da ética e da lei, assim como, no plano individual, tenderá, da mesma forma, a não depender do respeito ao próximo nem do bom senso.