Difere de outras coleções de ensaios de Antonio Candido. São cinquenta textos, na maioria curtos e muito diversificados: palestras, discursos, artigos de jornal e revista, prefácios, testemunhos, perfis de mestres e amigos dispostos em sequência corrida, sem divisões explícitas por temas, embora seguindo linhas de afinidade.
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Inicialmente são abordados escritores brasileiros, de maneira geral ou por um aspecto particular. De Castro Alves, por exemplo, é apresentado O navio negreiro, a propósito de ilustrações de Aldemir Martins; Gilberto Freyre aparece como crítico literário; de Alceu Amoroso Lima é destacada a contribuição renovadora sobre o problema do nacionalismo em literatura; Carlos Drummond de Andrade é objeto de análise, não como poeta, mas como prosador; Oswald de Andrade surge de maneira algo surpreendente como companheiro em viagem turística de dois figurões convencionais, um dos quais, Cláudio de Sousa, o incluiu como personagem no livro De Paris ao oriente, aferido aqui a certos trechos de Serafim Ponte Grande.
Depois dos brasileiros vêm dois autores muito ligados ao Brasil, Otto Maria Carpeaux e Roger Bastide, com destaque para o ensaio precursor que este escreveu a respeito de Machado de Assis. Sobre temas latino-americanos há um texto longo relativo às relações culturais entreo Brasil e os países de língua espanhola, uma apresentação da obra do crítico uruguaio Angel Rama e três textos sobre Cuba.
A sequência seguinte é formada por uma série de artigos sobre amigos mortos, nos quais o autor dá largas ao gosto crescente em seus escritos por um tipo de “retrato” sintético, graças ao qual procura captar o modo de ser e de pensar de personalidades tão diferentes quanto João Cruz Costa, Ruy Coelho, Arnaldo Pedroso d’Horta, Febus Gikovate, Azis Simão, Hélio Pellegrino, Ítalo Bettarello e mais alguns.
Outra modalidade que avultou tardiamente na produção de Antonio Candido foi certo tipo de lembrança que aparece neste livro em diversos textos, desde a revelação infantil do cinema na pequena cidade mineira onde cresceu, até os conflitos da Rua Maria Antonia em 1969, passando pela experiência inconsciente do nazismo em Berlim no ano de 1929; a iniciação política em seu tempo de estudante na; o contacto com certo cliente de seu pai que era, sem ele saber, um grande escritor austríaco refugiado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Esses e outros escritos dão a Recortes um movimento diferente, uma variedade maior do que a que encontramos nos demais livros de ensaios do autor.